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Sendo o auctor convidado para ouvir cantar uma senhora

Nunca vi essa senhora;

Mas para saber que encanta,
Ou seja bonita ou feia,
Basta-me saber que canta.

Tambem não sei do seu genio; Mas ainda a ser feroz, Não importam más palavras, Se ella tiver boa voz.

Inda no caso de feia,

Por cantar agradaria,
Muitas vezes vôa amor
Sobre as azas da harmonia.

Mas da tal nympha encoberta Que alma ficará segura, Se além do dom da harmonia Tiver o da formosura?

Falle n'isso quem o sabe, Que em mim so falla o desejo; Por minha grande desgraça Nem a ouço nem a vejo.

Só sei que, se tem amores, Não lhe ha de fazer traição: Quem é Candida no nome Deve-o ser no coração.

Desculpando-se o auctor de não ir a uns annos

Senhora, em honra do dia,
Esforçando a mão pesada,
Tomo a lyra, ha longo tempo
Ao silencio consagrada;

E em quanto lhe alimpo as cordas, Que bolor aos dedos dão,

E atarantadas aranhas
Despejando o bêco vão;

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C'os olhos ao ar alçados
Á minha musa pedia
Me désse sonoros versos,
Dignos de Apollo, e do dia;

Que me ensinasse a louvar
O ditoso nascimento,

Que ao vosso brilhante sexo
Trouxe mais um ornamento;

Que pintasse a loura Venus
Vosso rosto bafejando;

Que me mostrasse as tres Graças
O rico berço embalando;

Que me ensinasse a cantar,
Cingida a testa de loiro,

Uns claros, triumphantes olhos,
Uns finos cabellos de oiro;

Que me fizesse augurar, Rasgando ao futuro o véo, Amor consagrando as sellas Nos altares de Hymeneo:

Mas as musas, como as nymphas, Tem para mim os pés mancos; Fogem de trémulas vozes, Tremem de cabellos brancos:

Fiquei, pois, desamparado ;
E merecendo desculpa,

De não vos mandar bons versos,
Peço perdão, sem ter culpa;

Sei que devia ir pedil-o
Respeitoso e diligente;
Mas impede-me essa honra
Um defluxo impertinente;

E quem em casa traz botas,
E vinte xaropes bebe;
E, quando sác, sáe mettido
N'uma loja d'algibebe;

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