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A UM PADRE GUARDIÃO

Meu padre guardião, que exemplarmente
Regeis essa capucha sociedade,
Que munida do véu da santidade
Passa como não passa a mais da gente:

Vós que á força de braço omnipotente
Fazeis tremer do inferno a potestade,
E aos exorcismos só de um vosso frade
Se explica o demo em portuguez corrente:

Logo que d'essa estola o forte escudo
Buscar esbelta nynfa, que atacada
Seja d'algum demonio surdo ou mudo,

Mandae dos Márques conte a trapalhada: (1
Pois só elle, que foi o que urdiu tudo,

Sabe quem commetteu à velhacada.

A UM LEIGO ARRABIDO VESGO DESPEDIDO DA MESA DE S. C. P. SILVA, POR TOMAR A MELHOR PERA DA MESA

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0

vesgo monstro que co'a gente ralha

E de manhã a todos atravessa,

A cuja hirsuta sordida cabeça

Nunca chegou juizo, nem navalha;

Que os gazeos olhos pela mesa espalha
Por ver se ha mais comer que tire, ou peça,
Entrando n'elle com tal fome e pressa
Qual faminto frisão em branda palha;

Por crimes de alta gula e pouco siso,
De mesa bem servida, mas severa,
Foi n'um dia lançado de improviso.

Hoje chorando o seu perdão espera:
Perderam dois glotões o paraiso,
O antigo por maçã, este por pera.

1) Os Márques compraram em Lisboa umas casas a certo homem da mesma por preço exorbitante: feita a escriptura, e passado o dinheiro em cartuxos, voltou brevemente o vendedor dizendo que indo em casa a contar os cartuxos, aclára cobre e não oiro. Quem compra por preço tal, parece que não faz tenção de pagar: Quem vende por preço tal, parece ter demasiada cubiça. Todos estavam em boa reputação.

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A UM CABELLEIREIRO QUE, POR LEVES CIUMES DA FUTURA NOIVA,
QUEIMOU O ENXERGÃO, E AJUSTOU OUTRO CASAMENTO

Nupcial enxergão em chammas arda
Em pena do trahido amor primeiro;
Que este honrado, infeliz cabelleireiro,
Pelas manhas da besta pune a albarda;

Poz logo aos pés de mais formosa Anarda
Seu vago coração aventureiro;
Comprou novo enxergão por mais dinheiro,
Que amor conserve em sua santa guarda :

Ouviram-se ternissimas promessas,
A que elle respondeu: « Por vida tua,
Dos protestos que fazes, não te esqueças. »

Mas praza ao ceo, que em quanto elle na rua Enfeita á moda martyres cabeças,

Não lhe façam em casa o mesmo á sua.

A UM SUJEITO QUE PELA PRIMEIRA VEZ SE TOSQUEOU
PARA POR CABELLEIRA

Desaffronta esses cascos cabelludos,
E o sol os veja pela vez primeira;
Sáiba tambem essa vestal caveira,
Que ha nortes frios, e aquilões agudos:

Chovam-te aos pés os crespos gadelhudos,
Que te abafam a pallida viseira;

E rolem sobre as praias da Junqueira
Ao som do vento os sordidos canudos:

Tesouras, com o gume de cutellos,
Aliadas em asperos rebolos,.

Deixem-te os cascos limpos de novellos;

Porém de todo poderás compol-os,
Se assim como lhe pões outros cabellos,
Podéras encaixar-lhe outros miolos.

Á MULHER QUE açoitou o MARIDO

Mulher do capellista, acaba a empreza,
Que o mundo sem razão chamou tyranna;
Váe açoitando esse infeliz banana,
Nodoa do sexo, horror da natureza:

A vil rapaziada portugueza
Com falsa cantilena o povo engana;
Nem coifas inventaste a castelhana,
Nem as vastas fivelas á malteza;

(1

De mais alta invenção é bem te prezes; Legislando melhor que Tito, ou Numa, Emendaste uma lei dos portuguezes:

Não padece isto duvida nenhuma ;
A lei açoita a quem casar duas vezes;
Tu mostras que comtigo basta uma.

A UMA VELHA PRESUMIDA

Debalde sobre a face encarquilhada
Pendendo louros bugres emprestados,
Dás inda ao louco amor teus vãos cuidados,
Em carmins enganosos confiada.

Postiça formosura em vão comprada,
Não torna atraz os annos apressados:
Nem alvos dentes de marfim talhados,
Tornam em nova a tremula queixada.

De ti no mesmo tempo que do Gama
Cantou mil bens a deusa trombeteira,
A que os baixos poetas chamam Fama:

Porém sempre ficaste em boa esteira;
Porque, se já não prestas para dama,
Inda serves mui bem como terceira.

1) Foi objecto de cantigas dos rapazes.

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