Imágenes de páginas
PDF
EPUB

Alli se ajunta bando de casquilhos, A que o vulgo mordaz chama rafados; Alto topéte, prenhe de polvilhos, Que descalço gallego deu fiados; De quebrados tafues, vadios filhos, Pelas vastas tablilhas encostados, Altercam mil questões; promptos contendem, Promptos decidem no que nada entendem.

Um quer ver, enfronhado em picaria,
Silvada testa no andaluz ginete;
Outro prova no chão a ponta fria
De luzidio, virginal florete;
Mais amante da paz, outro elogia
Do bom Dupré o airoso minuete;
E posto em pé, para imitar-lhe os passos,
Altea o peito, e vae torcendo os braços.

Aventuras de amor outro contando,
Mostra os escriptos de Nerina bella,
Onde a mão adoravel foi lançando
Com penna de perú letra amarella;
Vác com trabalho o triste soletrando
As tortas regras, que boçal donzella,
De emprestadas finezas carregára,
Que piedosa visinha lhe dictara.

Então diz, que finissima madeixa
Lhe ondêa sobre o hombro torneado;
Alli suspira o triste, alli se queixa
De ir já sendo por ella desprezado;
Conta, chorando, que esta ingrata o deixa
Por esbelto cadete, que rafado,

Por mais que ao usurario os soldos peça,
A bolsa sempre tem como a cabeça.

[graphic][subsumed][subsumed]

Do bom Dupré o airoso minuete;

E posto em pé, para imitar-lhe os passos, Altea o peito, e váe torcendo os braços.

Alcando mais os olhos, vi defronte
Malhando a fio rígido banqueiro;
Que tendo já de marcas alto monte,
la despindo o misero parceiro;

Em quanto um diz que lavre, outro que conte,
Sem valerem os oculos do olheiro,

N'uma paz já vencida, um ponto afoito,
Subtilmente lhe encaixa duas de oito.

O perito banqueiro affronta os medos,
Tendo nas mãos em que se va vingando;
Com cuspo milagroso ungindo os dedos,
Váe destramente as cartas recuando;
De sciencia infernal, subtis segredos,
Com mão ligeira prompto executando,
- Marcando cartas, inventando nicas,
Fazia, em vez de banca, peloticas.

Mas não se livra de subtil calote,
Que um velho mansamente lhe tecia;
Julgando-o todos misero pixote,
Parolins de campanha impune erguia;
Embuçado em diafano capote,
Por um buraco os ganhos recebia;
Fôra no «< cabra» das melhores pernas,
Hoje joga os tres setes » nas tavernas.

Os roxos olhos para o ar alçados,
Encostado na quina de um bofete,
Pensativo taful mordia uns dados,
Que seis vezes tiraram quatro a sete;
Com suspeitas de que eram carregados,
Em duro almofariz o triste os mette;
E a golpes de martello aberto o centro,
Por fóra são marfim, chumbo por dentro.

Mais ao longe, com pallida viseira, Sujo poeta está vociferando; Da nojosa, empeçada cabelleira, Várias pontas de palha vem brotando; Os papeis, que lhe pêjam a algibeira, Vão pelo forro larga porta achando; Faz da véstia camisa; e é collarinho Torcido solitario pescocinho.

Fôra cem vezes em nocturno outeiro Da sabia padaria apadrinhado; E diz-se que glosava por dinheiro; Mas creio que atéqui não tem cobrado: Seguindo em moço o officio de barbeiro, E das filhas de Jove namorado, Abriu ao mundo asperrima batalha, Tanto co'a penna, como co'a navalha.

Fallou, por affectar musa campestre, Em surrão e cajado muitas vezes; Era um flagello este tyranno mestre Dos ouvidos e faces dos freguezes; Todos os versos leu da estatua equestre, E todos os famosos entremezes, Que no Arsenal ao vago caminhante Se vendem a cavallo n'um barbante.

De cançada, rançosa poesia,
Grosso volume na algibeira andava ;
Em vendo gente, logo la corria,
E o fatal cartapacio lhe empurrava;
Acrósticos sonetos repetia,

Que só elle entendia, e só louvava;
Punha em prosa tambem muita parola,
E acabava por fim pedindo esmola.

« AnteriorContinuar »