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Este ouvindo da turba as prosas frias,
E acceso do Parnaso em santo zelo,
Alçando a voz, cantou doces poesias,
Que invejou de Latona o filho bello;
Jurando que as fizera em poucos dias,
Prometteu que as havia dar ao prélo;
Mas da roda um dos menos depravados,
Em desconto as ouviu dos seus peccados.

« Debalde, diz, o povo vil, perverso,
Sobre mim descarrega tiros rudos;
Que eu não só sou poeta desde o berço,
Mas tambem tenho solidos estudos;
Sei que syllabas leva cada verso,
E não misturo graves com agudos;
Rompi outeiros em Sant'Anna, e Chellas,
Chamei sol a prelada, ás mais, estrellas.

« Co'as sonoras palavras Pindo, e Plectro, Ponho em meus versos locução divina; E sei, para cumprir as leis do metro, Quanto a historia das fabulas me ensina; Sei que dos ceos tem Jupiter o sceptro, Que nos infernos reina Proserpina; A madrugada sempre chamo aurora, Sempre chamo a um jasmim mimo de Flora.

<< Sei de certo em que tempo viu o mundo Filhos da terra os quatro irmãos gigantes; Sei finalmente conhecer a fundo

O que são consoantes, ou toantes;
Sei tudo, e unicamente me confundo
C'uns taes versinhos, que eu não via d'antes;
Aos novos ursos todo o povo acode,
O estilo é sybillino, o nome é ode.

«Fazel-as eu, não posso, nem desejo,
Porém sei conhecel-as facilmente:
Co'as verdes mãos o serpeado Tejo
Alça o trilingue, madido tridente;
Mas que Gorgona filtra? eu vejo, eu vejo...
Em dizendo isto, é ode certamente;
É filha d'arte a escuridade d'ellas,
E um preceito das desordens bellas.

As taes poesias, que a entender não chego, Podres palavras tem desenterrado; Se levam nó, é tão occulto e cego, Que quem quer desatal-o, váe logrado; Dizem que imitam n'isto um certo grego, Gloria de Thebas, Pindaro chamado; Se isto é assim, a sua lingua de ouro Seria grega, mas fallava mouro.

<«< Quatro rapazes estendendo o panno,
Deixam as gentes ao redor absortas;
Fallando em Venuzino e Mantuano,
As musas portuguezas põem por portas;
Aprendendo francez e italiano,

E umas taes linguas, a que chamam mortas,
Trazem com ellas perigosas modas;
Mas ainda bem que eu as ignoro todas.

« Diz um sabio que o seculo presente la emendando os erros do passado; Mas que das odes a infeliz torrente Tinha a lingua outra vez estropeado; Que amontoam com mão impertinente, Quantas palavras velhas tem achado; Que se envergonham das que usamos todos, E vão buscal-as muito além dos godos.

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«Como a caruncho e podridão condemna A lição affectada dos antigos,

Não leio Barros, Sousa, nem Lucena,
Porque sempre foi bom fugir dos p'rigos;
Ou sempre escreveu mal a sua penna,
Ou nunca os leram bem os taes amigos;
E por cautela, arreda, bolorentos
Ginjas fataes, do tempo de quinhentos.

« Não podem crer os genios lusitanos, Que as modas, como as vidas, são pequenas; Que já murchou esse estro dos romanos, E influem sobre nós outras Camenas; Que o tempò tragador, volvendo os annos, Fez cair Roma, fez cair Athenas; Que jaz no pó a Iliada envolvida,

E que alça a frente a Phenix Renascida. »

« Mais ia por diante o monstro horrendo C'o sermão, que ninguem lhe encommendára; Mas inimiga mão lhe foi batendo

C'um baralho de cartas pela cara;

Era um ponto infeliz, que estando ardendo,

No innocente poeta se vingára;

Que não sentiu o ver-se maltratado,

Mas ter a porcos perolas lançado.

Eis que o dono da casa espavorido,
Em castigo da sordida cubica,

Vem com as mãos na cabeça: «Estou perdido,
Tenho as casas cercadas de justiça: »
Era domingo, e um ponto arrependido
Sentiu então o não ter ido á missa;
Não valem rogos seus, nem do banqueiro,
É mais brando um leão, que um quadrilheiro.

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