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Em quanto ao principe augusto O patrio Tejo se humilha, E sobre os rasgados hombros Lhe leva a soberba quilha;

Meus olhos, meus tristes olhos, Nas aguas seguindo a esteira, De lagrimas se arrasavam Sobre as praias da Junqueira:

Dentro do cançado peito
Se ateou crua peleja;
Senti uma guerra viva
De saudades, e de inveja:

Não era de baixa inveja
Affecto grosseiro e injusto;
Era invejar ao criado
Ir junto a seu amo augusto.

Senhor, não sou atrevido;
Ha logares derradeiros;
O meu desejo me punha
Entre a chusma dos remeiros;

Com as faces acoutadas Dos agudos ventos frios, Entre os borrifos das ondas, E as pragas dos algarvios;

A Apollo pedindo a lyra,
Que só para isto invejo,
Chamára das frias grutas
As louras filhas do Téjo;

Que escutando o som divino
Entre as humidas moradas,
E levantando nas ondas
Suas cabeças douradas;

De tal hospede soberbas
O lenho rodeariam;

E as aguas c'o branco peito
A porfia lhe abririam:

O fatidico Protèo, Cheio de saber divino, Revelára ao novo heroe Os segredos do destino;

Famosas acções cantára, Levantando a sabia voz, Moldadas sobre as historias Dos augustos paes, e avós.

Mas, senhor, a minha musa
Sem tino ao ar se remonta;
E váe-se mettendo em obra,
De que não pode dar conta:

Esta levantada empreza Alé a Boileau deu sustos; Dizia que só Virgilios Podiam louvar Augustos:

É queimar-lhe baixo incenso,
Cançal-o com versos frios;
Amor respeitoso, e votos
Serão os meus elogios.

Vós, illustre Villa-Verde, Com quem sempre me hei achado, Fazei que seja o meu nome A seus ouvidos levado:

Se lhe der acolhimento, Sigamos de Horacio as traças, Façamos que a par das musas Marchem as risonhas graças:

Dizei-lhe, que na folhinha,
Com letras douradas puz
Aquelles formosos dias
Das escadas de Quéluz;

Aquelles dias ditosos,
Quando a seus pés ajoelhado,
Era ao abrigo das musas
Benignamente escutado;

Quando, tendo já traçado
Melhorar-me os meus destinos,
Se dignava perguntar-me
Como estavam os meninos;

Quando me mandou, que em verso Contasse como escapára

N'aquelle funesto encontro

Dos taes carreiros da Enxára: (1

E se ainda o favor mereço

De tão alta protecção;

Dizei, que mudei de officio,
Porém de ventura, não;

Que não me enganam zumbaias
Dos humildes supplicantes;
Porque a bolsa mais sincera
Trata-me inda como d'antes;

Que inda os cães atrás do russo
Esperam n'elle a merenda,
Quando eu vou para Lisboa
Fazendo versos e renda;

Que dando aos ôcos ilhaes,
Váe marchando triste e só;
Que as mais seges fazem sécia,
Porém que a minha faz dó;

1) Allude ás decimas.

Que até o bocal gallego,
Que eu tinha por innocente,
Já me conhece a fraqueza,
E já me revira o dente;

N.DA S.

Depois que as vélas de cebo
Já cerceia no topete,
E váe conquistar o bairro

De polainas e colete;

Depois que em chapeu de Braga,

Que só põe em dia claro,

Coseu em devota rosca

Candeia de Santo Amaro;

Depois que em destros meneios

O suado corpo bole,

E abre guerra ás cozinheiras
Ao som da gaita de folle;

Já responde focinhudo,

E eu me calo as mais das vezes;
Porque, pelos meus peccados,
Sou réu de uns poucos de mezes.

Mas, senhor, este episodio
Váe sendo dos arrastados,
O gallego veiu n'elle,
Como me váe aos recados:

Se o julgardes enfadonho,
Ao principe o não conteis;
Nos factos da minha vida
A vontade escolhereis:

Pintae-lhe a triste familia,
Gritando-me por dinheiro;
Hoje o rol de um alfaiate,
Amanhã o de um tendeiro:

Pintae-lhe um procurador,
Que aqui vem todos os dias
Saber da minha saude
Da parte das senhorias: (1

Enfeitae de côr alegre
A funesta narração;
Marcham ás vezes os risos
Ao lado da compaixão:

E pois que os vossos esforços
Nunca me tem sido vãos,
Acabai, benigno conde,
Esta obra das vossas mãos:

De um malfadado poeta
Trocae em prazer as penas;
Já diante d'outro Augusto
Fez o mesmo outro Mecenas.

1) Das casas.

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